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CULTURA DE APRENDIZAGEM

Marina Galvão
13 min

No início de março de 2021 o Festival From Control to Culture, realizado pela nōvi — consultoria de aprendizagem da qual faço parte -, trouxe convidados nacionais e internacionais para falar sobre Cultura de Aprendizagem nas Organizações.

Foi um evento incrível, liderado por 

Conrado Schlochauer

, e que contou com a participação de grandes nomes como Jane Hart, Nigel Paine, Aaron Dignan, Kelly Palmer e Donald Taylor, dentre outros. Os conteúdos e palestras do Festival iluminaram pontos importantes a respeito dos rumos da aprendizagem corporativa no mundo.

Compartilho aqui algumas reflexões que emergiram para mim após o evento:

1. A DIFERENÇA ENTRE CULTURE OF LEARNING E LEARNING CULTURE

No português a diferença é: nenhuma! Ambas são traduzidas como Cultura de Aprendizagem. Mas se fossemos traduzir conceitualmente, a CULTURE OF LEARNING é uma Cultura em que o aprendizado é um elemento importante da cultura; já numa LEARNING CULTURE o aprendizado é o cerne da cultura, porque é uma cultura que está sempre aprendendo.

ph: lysander-yuen

De acordo com o Nigel Paine, uma CULTURE OF LEARNING é uma cultura que tem foco em aprender, e uma LEARNING CULTURE é uma cultura que está se construindo continuamenteque engaja toda a organização e que permite que todo mundo aprenda rapidamente independentemente de quem entra e de quem sai, a cultura se reequilibra.

Em uma LEARNING CULTURE, o aprendizado é a energia que guia a organização. É ele que faz as coisas “entrarem em movimento”, ou seja, o aprendizado é a ação que cria o engajamento. E para que ele aconteça, a chave é o compartilhamento e a colaboração.

De acordo com o autor, além disso, outros elementos são essenciais para uma Cultura de Aprendizagem funcionar em um mundo volátil e que está em constante mudança: confiança, liderança, engajamento e empoderamento, propósito e autonomia. Essas são palavras muito conhecidas, mas que carregam conceitos complexos e, para cada um deles, caberia um texto em si.

Além disso, um outro ponto importante de uma Learning Culture é conseguir cuidar tanto do aprendizado necessário — conhecimentos e habilidades para desenvolvimento das funções -, quanto do aprendizado estratégico — voltado para o desenvolvimento do negócio -, sem descuidar do aprendizado contínuo — que sustenta um espaço para que as pessoas possam se desenvolver e inovar.

Uma cultura que dá suporte para construção de confiança, autonomia e compartilhamentos no ambiente de trabalho e consegue promover um ambiente corporativo saudável, é uma cultura que tem potencial de acompanhar as transformações e se adaptar de acordo com as necessidades emergentes, ou seja, que tem potencial de prosperar.

2. A BASE É A ESCUTA

Para desenhar uma Cultura de Aprendizagem que funcione, é preciso ouvir as necessidades reais das pessoas, caso contrário você irá oferecer um design que não entrega o que as pessoas que fazem parte da organização realmente precisam.

ph: franco-antonio

Nas palavras de Nigel Paine: “ não comece pelo que você acha que as pessoas precisam; comece pelo que elas realmente precisam (tradução livre)

Dentre os grandes desafios para construção e prosperidade de uma Cultura de Aprendizagem dentro das organizações está a escuta. Tanto a capacidade de ouvir o outro, quanto a necessidade de ser escutado.

Parece algo simples, porque afinal passamos grande parte do nosso tempo “útil” ouvindo. Ouvimos tanto em nosso ambiente pessoal, em conversas com amigos e familiares, como também nos ambientes profissionais, em reuniões e palestras. Nos acostumamos a ouvir quando queremos aprender, seja em cursos ou conteúdos assíncronos como podcasts e vídeos.

Mas fato é que escutamos muito mal. Muitas vezes porque não temos tempo de ouvir, e por isso colocamos os áudios na velocidade 2x do WhatsApp; outras porque queremos “otimizar nosso tempo” e acreditamos que conseguimos ouvir enquanto fazemos outras coisas. Independentemente de qual for o contexto, estamos constantemente reduzindo a qualidade da atenção que oferecemos ao ouvir o outro, e acabamos completando essas lacunas com nossas interpretações ou presunções.

Para desenhar uma experiência que cuide das necessidades reais das pessoas é importante não presumir nada e dedicar tempo para escutá-las. Além disso, a escuta é o que garante a circulação de informações e o compartilhamento de aprendizados, promovendo mais trocas entre as pessoas, times e setores de uma organização.

A meu ver, a escuta passa pela valorização. Quando somos escutados, nos sentimos vistos, valorizados. E, por sua vez, a aprendizagem passa necessariamente pela valorização do aprendiz. Então, quando se investe na construção de uma Cultura de Aprendizagem, é preciso investir no pilar de escutar o aprendiz, com uma frequência suficiente para mapear necessidades e, consequentemente, tomar decisões que estejam alinhadas com elas.

3. O ERRO FAZ PARTE DO APRENDIZADO

Para construir uma Cultura de Aprendizagem precisamos aceitar que as pessoas não sabem, e que as pessoas erram — tanto as que ensinam como as que aprendem. E, mais do que isso, precisamos ampliar nossa visão para perceber que todo mundo ensina e todo mundo aprende — em alguns contextos temos mais a ensinar e, em outros, temos mais a aprender — sendo que todos os momentos têm potencial para nos ensinar algo e não somente os treinamentos e momentos formais de aprendizado.

ph: brett-jordan

Para que todos possam ensinar a aprender é preciso transformar a percepção que temos com relação ao erro, e entendo que isso é uma das coisas mais difíceis, porque, dentro de ambientes corporativos, o erro é monetizado e, em regra, visto como prejuízo financeiro.

Entretanto, a transformação da percepção a respeito do erro pode ajudar a organização a cultivar uma cultura na qual o aprendizado descendente do erro tem grande valia e, consequentemente, se converte em proveitos financeiros.

Transformar o olhar a respeito do erro ajuda a exercitar vulnerabilidadeexponencializar a possibilidade de aprendizados e promover o protagonismo do colaborador.

É preciso entender que durante uma ação ou atividade, o “erro não era para ser (ou não seria) um erro”; ou seja, o erro era uma “tentativa de acerto”. Em essência, a natureza do erro é a mesma natureza do acerto. O erro só é reconhecido como tal posteriormente. Esse é um dos motivos pelo qual é preciso abrir espaço para o erro, porque aquele que erra precisa ter espaço para agir, para fazer, para tentar; caso contrário, se o medo de errar ou a repressão ao erro for muito grande dentro de uma organização, haverá uma paralisia da ação, uma inação diante das situações.

A organização precisa ver o erro de seus colaboradores como algo “natural”, ou seja, humano, e deixar de fazer uso da culpabilização, especialmente quando esse erro é organizacional, ou seja, quando o próprio contexto da empresa propicia a sua ocorrência. Em regra, a culpabilização do erro em uma organização leva a super burocratização e a penalização coletiva.

Além de representarem custos financeiros, tanto a penalização quanto a burocratização impedem a construção de um ambiente de confiança e, consequentemente, de aprendizado.

Para viabilizar uma Cultura de Aprendizagem dentro das organizações é preciso unir mentalidadehabilidades e um ambiente — com as devidas ferramentas — que priorize o aprendizado e as relações trocas que viabilizam esse aprendizado. E para que isso aconteça é preciso transformar a nossa percepção do erro.

4. APRENDER É O FUTURO DO TRABALHO

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Antigamente acreditava-se que quanto mais informações você fornecesse aos seus colaboradores, mais valor o colaborador ofereceria para o sistema. Mas hoje em dia ter acesso a informações e armazenar dados não significa muito; afinal, informar não é formar, e ter acesso a informações não significa aprender.

ph: daniele-levis-pelusi

No cenário atual, em que a informação está mais facilmente disponível, é importante focarmos menos no que aprendemos e mais em como aprendemos. O conteúdo tem menos importância do que a forma.

De acordo com Heather McGowan no mundo no trabalho estamos saindo de uma fase voltada para o armazenamento de conhecimento como sinônimo de boa educação e passando para uma fase focada na transmissão de conhecimento e desenvolvimento de agilidade de aprendizagem, na qual existe uma onipresença de informações e conectividade.

Para conseguirmos reimaginar a aprendizagem no trabalho precisamos reformular a mentalidade, facilitar os compartilhamentos e trocas, e remover as barreiras ao aprendizado. Como a aprendizagem acontece todos os dias no ambiente de trabalho, isso precisa passar a integrar as práticas diárias, e deixar de ocupar apenas um campo etérico de valores com V maiúsculo destacados em alguma parede bonita da sede da empresa.

Para isso, o modo como aprendemos, ou seja, o caminho, é mais importante do que o que precisamos aprender, ou seja o lugar que queremos chegar.

Então, já que não precisamos ir de um lugar para o outro de forma direta, como começar?

Quando questionado sobre qual seria o primeiro passo, Brian Murphy oferece o caminho da aprendizagem social, ou seja, nos tornamos gestores de comunidade e conectamos e facilitamos essa aprendizagemEssa é uma forma fácil de começar. Você vai para onde está a energia, para onde as pessoas estão interessadas realmente. Usamos as tecnologias que já existem na empresa e buscamos facilitar esse aprendizado (tradução livre).

Ele conta que na AstraZeneca eles “abraçam” os comportamentos existentes na organização — coragem, curiosidade e colaboração — encorajando as pessoas a adotarem um método mais ágil de aprender e, ao fazerem isso, aumentam a capacidade de cada pessoa de realmente deixar “sua marca” na empresa, reforçando a importância da aprendizagem na cultura e na mentalidade daqueles que fazem parte da organização.

5. COMO LIDAMOS COM A COMPLEXIDADE

Os sistemas complicados e complexos são diferentes e funcionam de maneiras diferentes. O sistema complicado é aquele que, apesar de ser intrincado e composto por múltiplas partes, dificilmente irá te surpreender; caso você estude o seu funcionamento, provavelmente conseguirá prever seu comportamento e corrigir erros operacionais (exemplo: relógio). O sistema complexo é diferente, pois nele existe um maior grau de imprevisibilidade, ou seja, mesmo que exista uma tendência de comportamento, não conseguimos ter certeza do que vai acontecer (ex: um ser humano).

ph: john-barkiple

Aaron Dignan afirma que “ os problemas dos sistemas complexos só podem ser geridos, não podem ser resolvidos, e para gerir complexidade nós precisamos de um sistema operacional diferente” (tradução livre).

Mas a questão é que ninguém nos ensinou a pensar sobre isso; nós aprendemos a analisar, medir, prever, decidir, orientar, gerenciar, gerir e controlar as ações subsequentes.

E para lidar com a complexidade, precisamos revisar a crença de comando e controle, que supõe que, para os sistemas funcionarem, as pessoas precisam necessariamente de receber ordens e de ser controladas, caso contrário o caos iria reinar. Sem negar a importância das regras e acordos, precisamos passar a cultivar uma crença norteada pela confiança e pela autonomia, que considera a forma como estamos nos organizando e a forma como estamos aprendendo para tomar decisões alinhadas com o contexto que realmente se apresenta diante de nós.

Sem confiança e autonomia não há aprendizado, e sem aprendizado não há prosperidade de sistemas complexos.

Como nós gerenciamos os nossos negócios e conseguimos lidar com o movimento constante? Para conseguir isso precisamos “ mudar como nós mudamos”.

Na mesma linha, Peter Senge diz que você não pode entender um sistema a não ser que você tente mudar esse sistema e, para isto, precisamos aprender uma forma diferente de lidar com a complexidade desses sistemas.

Hoje, há uma insatisfação alta com a forma de aprender dentro das organizações, e isso se dá porque as pessoas andam sobrecarregadas de informações, sozinhas, sem espaço para errardesconfiadas, e os líderes, muitas vezes, tentam lidar com esse cenário complexo como se fosse um cenário complicado.

De acordo com Jane Hart precisamos “ dar suporte para a aprendizagem contínua no trabalho, encorajando as pessoas a ter hábitos diários de aprendizagem: experiências diárias. Cuidar para que elas não fiquem sobrecarregadas com muitas informações e, ao mesmo tempo, garantir que elas consigam dar sentido às informações que elas recebem” (tradução livre).

A autora compartilhou conosco um estudo no qual buscou-se compreender onde as pessoas aprendem nos ambientes de trabalho, e chegou-se aos seguintes números:

  • 34% das pessoas aprenderam pelas descoberta (descobrindo as coisas por si próprias)
  • 31% aprendem fazendo (experiências diárias no trabalho)
  • 21% pelo discurso (interagindo com os outros)
  • 14% por meio da didática (sendo treinado ou ensinado)

Fica fácil perceber que a maior parte do aprendizado está concentrada no aprendizado informal (descobertas) e no aprendizado experiencial (na prática) seguido pelo aprendizado social e, por último, pelo aprendizado formal.

Assim, o que fica claro nesse contexto de transformações exponenciais que estamos experimentando é: se você cultiva uma cultura de controle ao invés de uma Cultura de Aprendizagem, você acaba prejudicando não só as pessoas, mas também o seu negócio.

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“A verdadeira aprendizagem chega ao coração do que significa ser humano. Através da aprendizagem, nos recriamos. Através da aprendizagem, tornamo-nos capazes de fazer algo que nunca fomos capazes de fazer. Através da aprendizagem, percebemos novamente o mundo e nossa relação com ele” — Peter M. Senge″

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[Artigo da série Retrospectiva 1º semestre 2021 || Texto elaborado por Marina Galvão após participação no From Control to Culture, um Festival sobre Cultura de Aprendizagem realizado pela nōvi, nos dias 4 e 5 de março de 2021. A comunidade da nōvi — da qual tenho o prazer de fazer parte ao lado de Conrado SchlochauerMari JatahyMarcelle XavierAlex BretasJuliana FalconNira Bessler, Ana Marques e Thiago Mota, é uma das grandes responsáveis pelo fortalecimento desse tema no Brasil.]

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